terça-feira, 23 de janeiro de 2024

A porta que eu abri.


Ouça, enquanto lê...

Havia uma porta.
No meio do nada, uma porta.
Tudo era escuridão e vazio ao seu redor.
Apenas uma porta.

Havia uma pequena escada que dava nesta porta.
Uns três degraus, eu acho. Nunca me atentei a contá-los.
A maçaneta era redonda.
E o batente, lindamente esculpido.

Não consegui mais vê-la fechada.
Abri.
O que há tanto tempo esteve trancada.
Abri.

No dia que você bateu a porta e passou a chave, eu escorreguei por ela. Chorei sozinho e copiosamente. Solucei, sem ninguém me ver. Porque é tudo escuro.
Dias se passaram e eu me levantei. Alisei a porta, como se acariciasse seus cabelos, seu rosto, sua barba.
Contei as ranhuras, como se eu pudesse contar as pintas de suas costas ou de seus ombros.
Colocava a mão sobre a maçaneta, sem rodá-la.
Olhava pela fechadura e checava por debaixo da porta.
Passos do outro lado? Bilhetes escondidos?
Qualquer sinal de que estava, então, aberta.

Semanas incontáveis foram necessárias, até que eu saísse das escadas.
Até que eu abandonasse meu posto, na escuridão.

Sequei o rosto e saí.

Virava e mexia, passeava pela porta.
Quem sabe haveria um bilhetinho esquecido por ali?

Os cenários foram mudando. E eu já não sabia mais se você tinha a chave ou se a tinha perdido. Ou, se por acaso, eu, bêbado, havia trocado as fechaduras, sem te contar.
Como você abriria a porta?
Então fiz uma cópia da chave. E passei pela fresta embaixo dela.
A verdade é que eu mesmo a abri.
Abri só um pouquinho e a deixei encostada.

Você a escancarou e me viu ali.
Meu coração palpitou, mas eu tive controle sobre tudo.
Tudo continua uma grande escuridão e eu não consigo enxergar o que há do lado daí.
Eu poderia trazer lanternas, trocar as lâmpadas, ou simplesmente entrar.
Mas acho que eu nem quero.

Só precisava da porta aberta e meia hora de papo.
Desculpe se durante a conversa eu começar a novamente olhar pela fresta ou contar as ranhuras da porta.
São velhos hábitos, que eu não entendo muito bem.

Uma pena não ter tido nenhuma carta no chão, mesmo com tanto tempo passado.
Uma pena maior não podermos conversar de verdade por meia hora.

Só não se vá de novo.

Mesmo que nunca mais venhamos à porta, vamos combinar de deixá-la aberta.
É mais confortável aceitar que não há nada do outro lado, quando eu vejo somente a escuridão através da porta, do que me questionar se foi o vento que bateu ou se foi você que passou a chave de novo.

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