domingo, 7 de dezembro de 2014

Presidiário, cumprindo sentença.

Ouça enquanto lê

A noite já vinha escura.
O frio começava a consumir.
Tinha acabado de chover,
e o chão estava molhado.

Você me calçou seu par de asas e me levou.
Me levou além do que eu acreditava ser bom,
além do que eu acreditava ser certo.
Além do meu próprio medo.

Você me deixou seguro,
voando alto.
Voamos tão alto,
fomos tão rápido.

As luzes da cidade passavam e eu nem via.
Mesmo porque minha cabeça estava em outra dimensão.
As estrelas todas se fizeram riscos
e caíram do céu desabotoado.

E quanto mais suas asas batiam,
à medida que íamos cada vez mais alto,
a brisa vinha de encontro aos nossos corpos e o frio era bom.
Não é que faz frio mesmo?

E nós voamos tão alto,
e fomos tão rápido.
Não sei se só eu que senti,
mas a adrenalina pulsava tão forte.

Conseguia sentir o coração,
batucando aquele samba que fizeram pra gente.
E a esse batuque me entreguei
e voei.

Voei na escuridão da noite,
iluminada pelos teus olhos,
pelo teu sorriso.
Desbravei meu "eu" e fui.

Obrigado por me mostrar o que há por trás da escuridão,
por me apresentar as estrelas cadentes.
Por me entregar à noite
e ao frio dela.

Obrigado por emprestar suas asas.
E por sussurrar ao meu ouvido:
"Não tenha medo,
eu te levo".

domingo, 30 de novembro de 2014

Nós dois

Ouça enquanto lê

Eu nunca acreditei nessa coisa de super heroi,
nunca tive essa ilusão.
Sempre me foi ensinado a encontrar herois de verdade, no meio da sociedade.

Herois que lutam por suas famílias,
que suam o pão de cada dia,
que dão a César o que é de César.

E encontrei, como me ensinaram,
vários herois.
Mas o grande mágico de tudo é que, muito criança que sou, encontrei o meu heroi.

Demorou um pouco pra reconhecê-lo,
demorei até perceber quão poderoso era meu heroi.
E eu descobri que era mais que isso.
Ele era um super heroi.

Super sim,
com o poder do amor,
da sabedoria,
do ensinamento...

Super em todos os sentidos da palavra.

E eu não sei o que acontece,
não sei bem dizer por que.
Mas cortaram a capa do meu super heroi.

Hoje ele tem medo.
De amar, tem medo.
A verdade é que meu heroi tem medo.

Eu não sei vestir um escudo e enfrentar essa escuridão.
Eu não sei lutar por mim, quanto menos por nós.

Posso te custurar outra capa?
Te fazer asas?

E se eu te disser que eu também tenho medo?
Que eu morro de medo de pensar em não ter meu heroi?
Que eu morro de medo que alguém me veja chorando porque meu heroi não voa?
Que eu me desfaleço de saudade?

Eu me meleco de medo do que pode acontecer no ano que vem...
Me tremo todo, da cabeça aos pés, em pensar se eu estou no lugar certo.
Porque sempre andou por nós dois...
Eu não sei andar sozinho, nem sei te carregar.

Eu não sei nem mais o que dizer.
Eu não sei pra quem gritar.
Eu não sei em qual ombro chorar.
Eu só sei ter medo junto.

Porque se meu heroi tem medo,
eu também tenho.

sábado, 11 de outubro de 2014

Ponte de escuridão

É na beleza dos impropérios que se contempla a verdade. Pois é na ponte da escuridão que habita a dúvida.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A história da pobre velha


Como a rosa que brota da terra e se abre ao sol, à chuva.
Brota do ventre, a pianista e encanta os pássaros e os grilos.
Usando suas mãos de uma maneira que ninguém precisou ensinar.
E foi conquistando seu espaço e mostrando seu amor.

O amor que vem de dentro, passa pelos braços, e se reflete a cada vez que seu dedo bate a tecla do piano, seu grande amor.
Sempre o acompanhando, desde o dia que se encontraram.
Nos momentos mais difíceis, nos mais tristes, nos mais felizes.
Nos momentos que não eram momentos, que eram ordinários.

Quando as lágrimas rolavam, por paixões sofridas,
por sorrisos falsos de malfeitores,
por conquistas limpas. 
Sempre juntos.

Decidida, declarou seu amor, a pianista, ao seu companheiro, o piano.
E dele, pra sempre foi, como pra sempre fora. 
Era ele que ouvia sobre seu dia, mesmo.
Era ele que conhecia o que havia dentro dela, de qualquer forma.

Por que não?

Por vários anos, a pianista se escondeu atrás de seu amante.
Uma vez que a liberdade lhe havia sido tirada, 
por aqueles que se julgam melhores e governam o país,
e querem governar o mundo.

Após a guerra, 
estavam juntos de novo, 
e se amavam, como nunca antes.
Venceram essa batalha.

Mais tarde, alguns anos depois,
enfrentou um tumor cerebral.
E durante todo seu tratamento, 
internada num hospital anti-musical.

Dizia todos os dias pra si,
"estou indo, meu amor".
E de lá saiu, ao encontro daquele que sempre a preencheu.
E foi ele, quem ela viu primeiro, depois de tanto tempo.

E viu por algum tempo,
até que sua visão ficasse comprometida.
A pianista não podia desistir agora.
E pensou:

"Eu preciso, apenas das mãos
e do coração.
Enquanto eu tiver, mãos e coração,
o meu amor, eu não deixo."

E aprendeu a não precisar ver seu amor pra saber onde eles estava.
E ela descobriu que ele ainda era capaz de entendê-la
e percebê-la
e decifrá-la.

E prometeu a seu marido,
"mesmo na escuridão,
eu te encontrarei."
Bom, não foi permanente, e eles se viram novamente.

Vencedora de uma guerra, 
vencedora de uma doença,
lanterna na escuridão,
vendedora de sonhos.

Fez de tudo pra estar sempre com seu amor.
Até que...
... coitada, idosa.
Há quantos anos vive mesmo?

Acredito que nem ela saiba...
porque a cabeça já não funciona.
Já não sabe muitas coisas mais,
mas conhece, ainda seu amor.

Infelizmente, as mãos começaram a não obedecer,
doíam quando paradas,
doíam quando mexiam.
"Reumatismo", disse o doutor.

Insistiu a pobre velha.
Mas não dava mais.

Deixou uma rosa vermelha 
sobre o cadáver quente de seu amor.
Alisou-o,
chorando as patacovas que já não tinha mais.

Entendeu que era seu fim,
e que nada mais podia fazer pra tê-lo de volta.
Era sua hora.
Assim...

Naquele dia, choveu.
Se vestiu de preto.
Tocou sua última canção,
e se despediu.

E junto à rosa vermelha,
deixou a carta que alguém datilografara.
Dizia:
"Muito obrigada, meu grande, primeiro e verdadeiro amor."

Fechou o caixão
e o enterrou.
O piano, nunca mais tocou.
Ficou só, a pianista.

E no seu epitáfio, escrito:
"Se partires amanhã, me ama hoje.
Se partes hoje, obrigada pelo ontem.
Se partiste..."

E ficou só, a pianista.
E o piano... nunca mais tocou.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Ocupado demais


O negócio é que todo mundo quer realizar as coisas de seu modo. 
E todo mundo quer que realizem as coisas ao seu modo.

Todos vão dar pitacos na sua escrita, no seu dizer, no seu ser. Não vão te deixar fazer da forma como você aprendeu, nem como quer (seja porque você prefere fazer assim ou porque você quer testar assim).
E se estiverem mexendo o balaio e você disser algo, reclamarão.

"Ele não me deixa fazer do jeito que quero."

"Espera. Esse é o meu jeito."

E por quê tenho que fazer do seu jeito?

Quero sorrir como eu sou, quero exprimir meu sentimento no cravo e na canela, sussurrar minha voz no cantar e chorar o meu cansaço na minha leitura.

Quero ser eu nos pontos e nas vírgulas, para que sejam meus, para que sejam eu. Para que eu seja eu.

Vá curtir o humor dele e o sorriso dele, se prefere, mas não me cobre sorrir como ele.
Sou Otávio.
Com "O"
com "t",
com "a" ACENTUADO
"v", "i" e "o".
E daí, EU faço meu Otaoota.
E, sim, é sem "c".

Não me importa o que você prefere, como seu filho chama, chamou ou chamaria. Não me importa. Não me interessa, até que você não permita que eu escreva meu próprio nome.

E de tudo em que posso ser eu, me disseram que não podia ser diferente. Eu TINHA que ser diferente.

E eu o sou. 

Desculpem se comecei dizendo uma coisa e terminei dizendo outra,
mas um pensamento me levou a outro, solto. E acabei divagando e remoendo a frase que me disseram e que vou repetir:
"Não podia ser diferente, você tinha que ser diferente."

E que eu seja mais eu e menos você.
Que tudo que você faça me afete menos. E te afete mais.
Que você saiba quão babaca é, e que eu continuo tranquilo:
exprimindo meu sentimento no cravo e na canela; sussurando minha voz ao cantar; chorando meu cansaço na leitura; sendo Otávio, sem "c"; sem sorrir como ele; sendo meus pontos e minhas vírgulas;

sem me importar com o seu modo, por estar ocupado demais com o meu.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Aprendendo a lição

Queria que seus netos soubessem que hoje eu cuidei da senhora, como minha própria avó.
A senhora não precisa lembrar meu nome, ou o que fiz, apesar de ter te contado. Afinal, esse é o meu trabalho. Mas gostaria que na sua inconsciência a senhora entendesse que foi com carinho e querendo seu bem.Queria que a senhora soubesse que eu rezei pela senhora e pedi ao Papai do Céu pra cuidar da senhora, porque Ele pode cuidar bem melhor que eu. E queria que a senhora me incluísse nas suas conversas pessoais com Deus.

Hoje, eu entendi direito o que meus professores sempre falaram sobre "pensar que são meus pais, tios, avós, primos ou irmãos". E mais que pensar: sentir e agir assim.
Muito obrigado. Por, sem saber, confiar em mim. Por me ensinar tanto em tão pouco.
Muito obrigado.

Que Papai do Céu te guarde e te proteja. Que a Mamãe do Céu te nine e cuide da senhora, como todas as mães fazem com seus filhinhos doentes. Que seu anjinho esteja do seu lado, travando todas as batalhas contra o mal, pra te defender.
E, por fim, que a sua família saiba que eu dei o meu melhor pela senhora.
E que a minha família saiba que temos um novo membro.

domingo, 13 de abril de 2014

Farewell

É estranho como estamos agora. Toda emoção e euforia se foram. Já não sinto mais a mesma coisa quando conversamos, já não é mais algo que faça meu coração parar de bater. Pelo contrário, ele bate tranquilo, sereno e calmo, com sensação de problema resolvido. Afinal, por muito tempo você foi meu problema. Era minha soluço também, mas ainda problema. Agora, que tudo foi realmente posto à mesa, depois de ter vomitado tudo sobre minha majestade, te deixo ir. Sem mágoa, sem ressentimento, nem tristeza ou penar. E talvez essa ausência de sentimento me preocupe, pois como disse, é estranho.

É estranho pra mim, "te libertar". Abrir sua gaiola. A gaiola do meu sabiá. A gaiola feita de mim, onde te deixei por tanto tempo.

É uma pena tudo que aconteceu, da forma como aconteceu. Mas no fundo, no fundo, pra mim foi bom; Foi bom pra você?

Existe uma série de coisas que me faziam lembrar de você. É claro que essas coisas não vão deixar de existir e eu vou continuar lembrando de você. Digo isso porque não quero que você pense que estou te dispensando pra sempre da minha vida. Por favor, entenda bem. Me entenda bem. Apenas não te amo e te quero menos do que sempre quis na vida.

Nessa vida. Essa de bobo da corte, cantando pra te agradar. Sorrindo pra te manter bem e sorrindo. Idolatrando minha majestade. Mas, quem sabe, um dia, na vida que segue, eu torne a cantar para majestade Sabiá?!

Ou quem sabe foi nosso fim mesmo. O fim de algo que não começou pra você.
Mas começou pra mim.
Fique bem. Se cuide.
Me procure sempre que quiser.
Estamos bem.
Voe e seja feliz.
Adeus.

sexta-feira, 14 de março de 2014

O lobo

Ouça enquanto lê...

E de noite, antes de dormir
rezava, eu, pra que viesse.
Pedia fervorosamente
que te tivesse em meus sonhos.

Se não fosse atendido,
não havia mal.
Seria apenas mais uma noite desperdiçada,
uma noite em vão.

Mas se fosse,
ah, se fosse...
era como colocar os pés na nuvem
e ser levado pro alto.

Era como sentir o mundo em minhas mãos.
Como se eu pudesse sentar sobre ele
e rodar pela via-láctea
até ficar tonto e cair de volta em minha cama.

Subia num dragão,
voava até as estrelas,
e vinha descendo planando,
sentindo a brisa do mar que bate na minha janela.

A sua visita,
ainda que causada por mim,
era como aquele beijo gelado
numa chuva fria de um verão quente.

Era como se eu soubesse que estava vivo.
Como se pudesse viver aquilo todos os dias.
Como se no dia seguinte eu pudesse te ligar e te contar
e te contar.

Há muito você não me visitava.
Há muito eu vivi por mim mesmo.
Sem subir em nuvens, dragões,
alcançar estrelas, sem mesmo a brisa na janela.

Nem mesmo um beijo gelado,
nem chuva fria,
até o meu verão...
até o meu verão...

Então você surgiu.
E a nuvem choveu, o dragão me cuspiu fogo,
as estrelas se apagaram,
e eu chorei sobre o leite derramado.

A chuva que caía daquela nuvem...
ácida.
A brisa que batia na janela...
vendaval.

Minha cama...
em brasas.
E meu verão...
que verão?

Me fez lobo solitário,
a uivar de raiva quando acordei.
A morder minha pata
pra fugir das armadilhas.

Asco, Miséria.
Ódio, Rancor.
Meu acróstico imperfeito
pra quem acabou com meu verão.

Pra quem fez de mim, lobo
e matou meu dragão.
Pra quem inundou a cidade
e me deixa tonto.

Me fez tonto.
Me fez bobo.
Me fez amar.
Me fez lobo.

E de noite, antes de dormir,
rezava, eu, pra que não viesse.
Mas que por favor, ouvisse,
por favor, me ouvisse.

Ouvisse o meu uivar de lobo solitário
pr'aquela lua que ainda me resta.
E se não ouvisse...
seria só mais uma noite em vão.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Coisas de fisioterapeuta

O garçom pergunta ao cliente:

-Gelo, senhor?

E ele responde:

-Obrigado. Já não dói mais.