quarta-feira, 23 de setembro de 2015

B612

Ouça enquanto lê

Resolvi cair nessa terra de ninguém. Sozinho estava e resolvi cantar.
Fui cantando e cantarolando sempre os mesmos versos que estavam em minha cabeça.
Não sei se mentiram pra mim, mas havia mais gente nessa terra.
E por causa dos repetidos versos, encontrei alguém.

Alguém de carne e de osso,
de braços e de abraços.
Alguém com boca
e olhos que me olham como se meus versos o lembrassem das vidas boas em outros planetas onde não crescem Baobás.
De carne e de osso, porque quase não acreditei que era real.
Dos abraços fortes que me protegem de toda essa gente que mora nessa terra de ninguém.
Dos braços, anatomicamente perfeitos, onde eu simplesmente encaixo.
E da boca que me arrepia quando toca a minha.

E dessa mesma boca que tanto me beija, veio a promessa de em oito segundos me beijar o mesmo número que eu contasse das estrelas do céu.
Sentei-me onde não há luz, na terra de ninguém (um pouco difícil de achar, mas consegui), olhei para o alto e comecei:
1, 2, 3...
E fui contando, sem perder nenhum pontinho luminoso que olhava pra mim.
Afinal, cada pontinho daquele é como se sorrisse para mim.
E, de repente, quando estava em 612 estrelas, uma se caiu, e eu perdi as contas.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Essa coreografia

Feche os olhos e deixe a cabeça voar.
Como se o céu fosse seu chão,
e você pudesse pisá-lo.
Rodopie ao som da sua música favorita,.
Seja brisa,
seja o próprio ar que te dá impulso.

Suspire,
Arranhe os céus.
Pule de nuvem em nuvem se quiser,
ou apenas rodopie sobre os próprios pés.

Abra seus braços
e feche-os.
Acaricie o nada.
Afinal, o carinho é pra você.

Toque seu rosto,
seus braços,
o chão
e o ar.

Não pense,
apenas sinta,
apenas seja essa coreografia,
da sua música favorita.

Mexa seus pés como precisar,
é tudo possível.
Está tudo ao seu alcance.

Mas pra mim não é possível,
Mas não está ao meu alcance.
Meus braços se fecham,
Não consigo tocar o chão, porque ele não existe.
Não toco meus braços, porque não suporto.
E quando encontro meu rosto, é molhado.

Não sinto carinho,
e o nem o "nada" está ali.
Se me rodopio, entonteço.
Se me ponho de pé, eu caio.
Se dou um passo da minha coreografia, tropeço.

O céu é inalcançável,
e o ar que sou, me falta,
e eu, então, acabo suspirando em falso.

Fecho os olhos, mas minha cabeça não voa.
Afinal, é pesada e não se distrai,
E, por fim,
eu penso e só existo.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Te passando em plantão

E se eu pegasse sua mão e te puxasse pra sei lá onde? Faria diferença eu dizer que comecei a sorrir depois que você chegou? Você pegaria na minha mão se soubesse disso?
Por que não vem, você puxar a minha mão e me levar pra não sei onde? Eu juro que não precisa sorrir quando me vir. Você só precisa vir e eu vou saber que eu fui a sua escolha.
Ser a escolha de alguém é o clímax de qualquer vida. Eu só queria ser a sua enquanto você é minha.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Quem pode dizer?

Ouça enquanto lê.

Eu só queria dizer que amei.
Mas que amor foi esse que se começou e se acabou em meio as palavras?
Como aconteceu  de a preocupação se tornar um desejo incessante, uma carência tamanha que necessite dessa atenção toda que só você acredita?
Queria mesmo a sua atenção, de forma mais especial, mais espontânea. Da forma como costumava ser. Não pedi nada além do que já existia em você, em nós.
Mas quando o amor vira monólogo, de uma via só, em sentido único e passa por um mar de ilusões que o deturpam e chega ao fim da ponte como cão sem dono morto de fome, ele deixa de ser amor e vira Roma.
E na praça do centro dessa cidade vou, bêbado, tentar entender a lógica dessa história que começou com gosto de canela se preparou pra ser melancia e no fim amargou "qui nem jiló" (uma saudade que quase dói).
Mas se da primeira vez era canela, fico em Roma até que a torne em amor de novo ou até que o amor mude seu significado e eu, enfim, ache um amor com gosto de melancia perdido em meio as palavras e possa finalmente dizer que amei.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Fim de passeio

Ouça enquanto lê

Era como se subíssimos as árvores folhosas, só pra descer em suas folhas verdes.
Subindo pelo seu tronco, desde a raiz, escolhendo as melhores ranhuras, até encontrar o galho mais alto, do qual teríamos coragem de nos jogarmos.
Lá, bastava escolher a folha. Era só subir em cima e dar uma chacoalhada.
A folha se desprenderia...

E viria planando, pegando aquela corrente de ar, aquela brisa.
Os nossos rostos, ora iluminado pelos raios de sol de  um dia lindo, ora escuros pelas sombras das outras folhas, se encheriam de felicidade.
E, segurando na folha, vamos até o chão... Fim de passeio.
Sem problemas, afinal, é uma árvore folhosa.
Basta voltarmos à raiz e subir de novo.

Mas o outono chegou.
Todas as folhas já estão amarelas,
ou vermelhas,
mas no chão.
E se subirmos, não temos como descer.

Te chamei. Você não veio.
Eu subi sozinho e só tem um jeito de descer:
Sozinho.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Dançando no escuro

Eu vi o tempo passando em frente aos meus olhos.
Vinha dançando um tango argentino.
As notas que saíam dos violinos eram seu par.
E se esbarravam nas paredes
E tropeçavam nos buracos do chão.
As luzes, piscando, brincavam com as cores
e depois saíram pra jantar.
Deixaram a vida acontecer,
ao passo que a cada passao davam um passo,
dois ou três, seguindo a batida do tango argentino.
No jantar das luzes foi servido vagalume
e os pássaros vieram comer.
As asas batiam,
os bicos abriam e fechavam,
as penas voavam e seguiam a corrente do vento.
As correntes que amarravam o tempo.
Que acabou por conseguir se desprender.
O tempo, que passou pelos meus olhos
e até agora dança com as notas violinas
que saem do tango argentino.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

One night. And one night only

Ouça enquanto lê

-Uma passagem pra Paris, por favor?

E me entregou duas, três ou até quatro Paris'es inteiras.
Fomos sambando esse bolero, no som que a meia noite da cidade encantada trazia, mas que tocava às duas da tarde.
E trocamos alguns passos, alguns olhares e balançares de cabeça, antes de pertencermos, em partes, um ao outro.

Claro que foi verdade.
Há tanta verdade que ainda te sinto ao pé da minha orelha, ou alisando minha barriga.
Me lembro de cada detalhe da sobrancelha perfeitamente desenhada por quem te fez.

-Pra quê pegar o avião de volta? Vamos ficar aqui?!

E eu, deitado em seu peito, te observando respirar, sem medo, sem chance de estar errado, ou de ser proibido.
Sem chance de eu esquecer a hora que ganhei o meu troféu e coloquei no mais alto da prateleira.

-Ok. Precisamos mesmo voltar.

Mas nossas vidas apontaram pra destinos diferentes.
E eu perdi milhões de anos deitado no seu peito.
E o meu troféu foi retirado, caiu e quebrou.

E as minhas quatro Paris'es...
ainda tocam aquele bolero que sambamos às duas tarde.