sexta-feira, 14 de março de 2014

O lobo

Ouça enquanto lê...

E de noite, antes de dormir
rezava, eu, pra que viesse.
Pedia fervorosamente
que te tivesse em meus sonhos.

Se não fosse atendido,
não havia mal.
Seria apenas mais uma noite desperdiçada,
uma noite em vão.

Mas se fosse,
ah, se fosse...
era como colocar os pés na nuvem
e ser levado pro alto.

Era como sentir o mundo em minhas mãos.
Como se eu pudesse sentar sobre ele
e rodar pela via-láctea
até ficar tonto e cair de volta em minha cama.

Subia num dragão,
voava até as estrelas,
e vinha descendo planando,
sentindo a brisa do mar que bate na minha janela.

A sua visita,
ainda que causada por mim,
era como aquele beijo gelado
numa chuva fria de um verão quente.

Era como se eu soubesse que estava vivo.
Como se pudesse viver aquilo todos os dias.
Como se no dia seguinte eu pudesse te ligar e te contar
e te contar.

Há muito você não me visitava.
Há muito eu vivi por mim mesmo.
Sem subir em nuvens, dragões,
alcançar estrelas, sem mesmo a brisa na janela.

Nem mesmo um beijo gelado,
nem chuva fria,
até o meu verão...
até o meu verão...

Então você surgiu.
E a nuvem choveu, o dragão me cuspiu fogo,
as estrelas se apagaram,
e eu chorei sobre o leite derramado.

A chuva que caía daquela nuvem...
ácida.
A brisa que batia na janela...
vendaval.

Minha cama...
em brasas.
E meu verão...
que verão?

Me fez lobo solitário,
a uivar de raiva quando acordei.
A morder minha pata
pra fugir das armadilhas.

Asco, Miséria.
Ódio, Rancor.
Meu acróstico imperfeito
pra quem acabou com meu verão.

Pra quem fez de mim, lobo
e matou meu dragão.
Pra quem inundou a cidade
e me deixa tonto.

Me fez tonto.
Me fez bobo.
Me fez amar.
Me fez lobo.

E de noite, antes de dormir,
rezava, eu, pra que não viesse.
Mas que por favor, ouvisse,
por favor, me ouvisse.

Ouvisse o meu uivar de lobo solitário
pr'aquela lua que ainda me resta.
E se não ouvisse...
seria só mais uma noite em vão.

Um comentário:

Isabella Mariano disse...

Caramba, como a nossa escrita evolui, né? Estava relendo uns textos meus antigos e caí na risada.

Tinha um tempo que não entrava aqui. E adorei esse poema. Nossos sonhos podem as vezes nos deixar acordados ecoando seus sentidos... :)

Bjo!